Trupe teatral usa humor para conscientizar idosos sobre HIV

Sexo seguro é tema da peça que dá dicas de saúde e discute preconceitos

Por Nádia Almeida | 23/9/2008

O encontro de duas irmãs e a revelação de um segredo familiar é o ponto de partida da divertida peça teatral “Cobrindo a identidade, porque a fera não escolhe a idade”, encenada pela Companhia Paulista de Teatro a idosos que participam dos grupos de caminhada das Unidades de Saúde da Família (Usafas) e programas sociais voltados a essa faixa etária, como o Conviver. O evento, realizado no Auditório Jornalista Roberto Marinho em duas sessões, marcou a abertura da Semana Municipal do Idoso nesta terça-feira (23).

A comédia em tom musical foi a abordagem escolhida pelo Programa Municipal DST/Aids/Hepatites para tratar de um assunto que, para muitos, é considerado tabu: sexo seguro na Terceira Idade. Segundo a coordenadora do programa, Dorian Rojas, a incidência de Aids entre pessoas com mais de 60 anos vem aumentando, o que exige mais ações preventivas voltadas para esse público.

“Se a natureza nos presenteou com a sexualidade, não é para contrairmos doenças, mas para buscar o prazer e a felicidade com a responsabilidade da prevenção. O uso do preservativo, masculino ou feminino, é fundamental”, destacou Dorian. “O Programa DST/Aids/Hepatites está sempre presente fazendo esse trabalho, como sua participação no Baile de Máscaras, no carnaval deste ano.”

Na recepção do auditório, a equipe do Centro de Testagem, Aconselhamento e Prevenção (CTAP) distribuiu preservativos e materiais informativos, sob a coordenação da psicóloga Letícia Lázaro. Em sua sede, no Complexo de Saúde que funciona em frente ao Fórum, Bairro Mirim, disponibiliza testes gratuitos, palestras e orientações. Além desses serviços, a Equipe de Prevenção vai a campo orientar públicos específicos, como adolescentes e idosos.

Riso e consciência - De um lado, Mafalda, uma idosa rancorosa que se coloca para as sobrinhas e seus maridos como exemplo de retidão, escondendo seu passado em roupas escuras e muitos preconceitos. De outro, a exuberante e extrovertida irmã Imaculada, que decide rever a família e desmascarar a matriarca. No centro, uma família que discute, com muito bom humor, a importância de exames (da próstata, por homens, e preventivo do colo de útero e mamografia, pelas mulheres), vacinas e da prática de sexo seguro. “Chega de saudade! Veste a camisinha que a sensualidade vai virar rotina”, recomenda a família, entre diálogos marcados por rimas.

Com maquiagem forte e roupas coloridas, a trupe ensina a usar o preservativo masculino e feminino de forma hilária, quebrando crenças equivocadas como a de que o acessório tira a sensibilidade do órgão sexual ou não se ajusta adequadamente. Fala ainda de climatério, menopausa, impotência e outros assuntos relacionados à prática sexual. Ao final do espetáculo, o grupo interage com a platéia, respondendo perguntas e estimulando reflexões.

Criada há 17 anos em Jundiaí, a companhia teatral investe em peças voltadas para conscientização de crianças, jovens e adultos. A “Cobrindo a identidade...” é a primeira voltada para o público idoso. Escrita por Rosângela Brigoni, tem no elenco Marcelo Peroni, Rosângela Torrezin, Aline Volpi, Marici Nicioli, Edvaldo Zanotti, Vivi Masolli (também diretora) e Basilides Ortega.

“Quando começamos, achávamos que encontraríamos resistência, mas as pessoas se mostraram receptivas. Usamos uma linguagem cômica para não chocar, já que são assuntos que não costumam ser discutidos em público”, observa Peroni, porta-voz do grupo. “Essa peça foi escrita para dar recados importantes, incentivar as pessoas a aproveitarem essa fase da vida com saúde.”

Identificação - Para se transformar na engraçada Mafalda, com sua rígida moralidade, Rosângela revela que buscou inspiração na personagem Perpétua, da novela Tieta, mas também contou com apoio do ator Cláudio Alencar para compor a caracterização. O mais surpreendente, segundo a atriz, é que algumas pessoas acabam se identificando com ela. “Percebemos isso em locais mais conservadores”, conta.

O oposto é vivido por Basilides, 66 anos, a única atriz madura entre os jovens no palco, na pele da alegre Imaculada, e na própria vida, servindo de exemplo para sua geração. “Muitos gostariam de fazer o que eu faço”, acrescenta.

A aposentada Gercina Lince, 61 anos, achou excelente a interpretação do grupo e concorda que eventos do tipo ajudam a eliminar estigmas relacionados à prática sexual na Terceira Idade. “A mensagem que eles levam é muito importante. Achei lindo”, elogiou.

Na peça dirigida a idosos, quem roubou a cena foi um pré-adolescente, Gabriel, que fez várias perguntas da galeria, como o que é Terceira Idade. Espontaneamente, o morador Valter de Amparo se apresentou para responder: “É uma fase que a pessoa vive depois que pega catapora, sarampo, estuda, namora e trabalha. Nós, que estamos nessa idade, temos muito que dar, como a nossa experiência. Já não temos os braços e pernas fortes de quem tem 20 anos, mas muitos sentimentos e amor. A Terceira Idade, Gabriel, é tudo de bom que um ser humano pode conseguir na vida”.