Mulheres enfrentam o câncer juntas no Estrela da Mama

Agendamento para Mutirão de Mamografia ocorre a partir do dia 12

Por Nádia Almeida | 7/11/2008

Aos sete anos de idade, Vitória é a mascote do Grupo de Apoio Estrela da Mama e simboliza a luta pela vida travada por mulheres que se deparam com o diagnóstico de câncer de mama. E nem poderia ser diferente. Sua mãe, Ana Lúcia Evangelista Parra Biudes, que a concebeu aos 45 anos, foi informada, no quinto mês de gestação, que a alteração percebida na mama direita se devia a um tumor maligno e teria que passar por mastectomia (retirada total da mama) urgente. Era o início de uma longa batalha.

Há pouco mais de dois anos, Ana Lúcia e sua única filha fazem parte da entidade que presta apoio a mulheres com câncer de mama desde 1998. O grupo praiagrandense foi criado pela artista plástica e escritora Lourdinha Borges, que ainda luta contra a doença. Em função do tratamento, Lourdinha teve de se afastar da presidência em 2007, quando a educadora Alina Maximiliano Trindade Soares assumiu o cargo, ao qual atualmente se dedica.

Entre as ações do grupo está dar apoio a pacientes que se descobrem com câncer e precisam enfrentar o doloroso caminho da recuperação. Além da retirada cirúrgica da mama, há o tratamento, muitas vezes agressivo, que envolve rádio e quimioterapia e seus fortes efeitos colaterais, como queda de cabelo, vômito, diarréia e instabilidade emocional. Na rede municipal, as voluntárias atuam junto ao Centro de Especialidades Médicas, Ambulatoriais e Sociais (Cemas).

Quando descobriu o câncer, Ana Lúcia, que residia em São Paulo, não teve apoio da ONG que hoje está engajada, mas contou com um poderoso aliado: seu bebê. “Quando o médico me disse que eu teria que retirar a mama, não me importei. Como brincou minha mãe, foi ‘perda total’. Mas o que eu queria era meu bebê com vida”, recorda.

Por recomendação médica, Ana se submeteu a uma cesárea no oitavo mês de gestação. Assim nascia Vitória, saudável e a plenos pulmões. “Ela nem precisou ficar no hospital. Veio comigo para casa. Chorava alto e tinha muita fome”, lembra. Tomando medicação, a mãe não pôde amamentar o bebê, apesar do seio cheio de leite. “Escorria pela roupa; tive de fazer até simpatia para secar e dar mamadeira a ela.”

Sem cabelos - Um mês depois da cesárea, Ana começou as sessões de quimioterapia. Pelos relatos ouvidos da família, Vitória se apressa a contar: “Minha mãe ficou carequinha e tinha de usar peruca. Eu puxava e ela ficava com o cabelo torno”.

Cinco pneumonias, duas dengues, todos os efeitos do tratamento e a notícia de que o marido precisava passar por uma cirurgia no coração quase abateram Ana Lúcia. Quase. “Meus familiares achavam que eu não tinha condições de ficar com o bebê, mas sem a Vitória eu não teria razão para viver. Não deixei tirarem ela de perto e, apesar de todas as dificuldades, conseguia cuidar bem de minha filha”, expõe. “A alegria de tê-la me fortaleceu.”

Enquanto Ana encontrava na filha forças para viver, a saúde do marido piorou. A família mudou-se para Praia Grande e, no último mês de agosto, o pai de Vitória faleceu. “Hoje somos nós duas”, diz a mãe. “Aqui, no Estrela da Mama, todo mundo ajuda o outro e nos sentimos apoiadas.”

Vitória não é a única criança no grupo. Quem entra na casa de fachada azul é recebido por uma frase diferente todo dia. No dia 3, a citação era: “Vitorioso não é aquele que vence os outros, mas o que vence a si mesmo”, escrita por Beatriz, voluntária de 12 anos.

Apoio mútuo - Para vencer o próprio desânimo nos momentos de depressão e dor, cerca de 60 mulheres, com idades e histórias diferentes, tecem uma rede de ajuda mútua, simbolizada pelo tapete que enfeita a parede da sala principal. “Cada uma fez uma parte deste tapete, para a festa de Corpus Christi”, conta Alina, mostrando o bazar anexo, repleto de artigos a partir de R$ 2,00. “Produzimos muito artesanato, que é vendido aqui mesmo. Essa renda nos ajuda a manter despesas, atendimentos (transporte, alimentação específica e até medicação) e a repor materiais.”

Quem quiser colaborar como voluntário, comprar artigos ou fazer doações pode visitar a entidade na Avenida Presidente Kennedy, 527, Boqueirão. Para angariar fundos, será promovido um bingo beneficente no próximo dia 30, na escola Celestin Freinet (Rua Leblon com a Rua Fumio Miyase, Boqueirão), a partir das 16 horas. As cartelas estão à venda na ONG, a R$ 10,00. Entre os prêmios, telefone celular, bicicleta, cesta de produtos artesanais e quadros, como uma tela pintada por Lourdinha.


Professora Alina, exemplo de força e fé

Com formação em pedagogia, Alina nunca pensou que estaria engajada num projeto de saúde, coordenando um grupo de apoio a vítimas de câncer de mama. Quando recebeu esse diagnóstico, o grupo ainda não existia e o apoio veio da família. “Todos os anos eu fazia mamografia porque sabia que minha mama esquerda tinha numerosas microcalcificações. Mesmo no ultra-som não apresentava nódulo, nem ele foi sentido pelo mastologista do Hospital do Câncer. Era impalpável porque estava escondido atrás das calcificações”, recorda.

A confirmação veio com o resultado da biópsia. “Num primeiro momento foi marcado só um quadrante (remoção de parte da mama), passei por todo tratamento de químio e radioterapia; depois fui fazer novos exames e houve nova manifestação (do tumor)”, explica Alina. “Passei por um doloridíssimo processo de agulhamento, porque se migra uma medicação através de uma agulha para demarcar o tumor. Em vista disso tudo, o médico optou pela mastectomia.”

O grave problema foi enfrentado por Alina com muita confiança. “Tive fé em Deus, na vida, em mim e nos profissionais. Enfrentei bem tudo que me foi proposto”, salienta. “Minha família foi maravilhosa: meu marido, filhos, um milhão de amigos. E depois, durante a quimioterapia, minha amiga Dulcelina me falou sobre o grupo Estrela da Mama e me convidou para uma reunião. Comecei a freqüentar. Em 2006, Lourdinha descobriu o câncer novamente e a escolha de quem seria presidente recaiu sobre mim.”

Sem experiência em saúde, a professora aceitou o desafio, contando com o apoio da amiga Dulcelina. “Só que, depois disso, ela foi para a UTI não sei quantas vezes e eu acabei tendo de remar com as outras que vieram se juntando ao grupo”, revela. “No início, na varanda de casa, eram 20 mulheres. Depois, 40. Hoje somos mais de 60. Conseguimos essa casa e é aqui que o grupo vem alicerçando seu trabalho. Nunca pensei que fosse tão necessário.”

Todas por uma - Na casa, cada ajuda com o que pode. Uma ensina uma nova técnica de crochê, outra faz um bolo, há quem escreva frases motivacionais ou faça faxinas semanais. O trabalho técnico se faz com psicólogas, massoterapeutas, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, na recuperação de movimentos atingidos pela retirada da mama. Todas voluntárias.

A energia do voluntariado contagia mulheres sem formação técnica que nunca tiveram câncer de mama, mas querem participar. É o caso de Maria Emília Magalhães e de Guiomar Faria de Lima. “A gente vem por amor. Soube do Estrela da Mama numa palestra que Alina fez na Paróquia São Judas Tadeu. Foi tão linda que resolvi conhecer e nunca mais saí daqui”, recorda Guiomar.

As que passaram pela experiência do câncer de mama transmitem otimismo, como a vice-presidente Maria Cândida Siaudzionis, que acompanha pacientes carentes a consultas e exames. “Sou a ambulância”, brinca. Apesar do bom humor, Cândida e outras amigas do grupo enfrentam situações dramáticas. A morte é a pior delas. Nos últimos meses, Cândida acompanhou três casos que regrediram para óbito.

Para Alina, o grupo oferece um apoio que ela própria não contou quando soube da doença. “Naquele tempo tive amigos, família, mas não esse grupo. Na hora da queda do cabelo, você não sabe onde vai buscar peruca ou se usa chapéu. Com a mastectomia, enfrenta a questão da sexualidade, não tanto pelo parceiro, mas pela própria mulher, que sempre quer dar o melhor de si e se inibe. Tudo isso a gente trabalha aqui”, acrescenta. Réplicas de quadros pintados por Lourdinha, que retrata mulheres com flores no lugar da mama retirada, e o livro “Câncer, vida e sensualidade”, escrito pela fundadora, são inspiradores. “Ela é nossa estrela maior”, enaltece Alina.

Às mulheres que se descobrem com câncer de mama, Alina aconselha a busca por apoio. “O emocional fala muito alto. Se temos motivos para viver, enfrentamos qualquer dificuldade. Mas não é o que acontece com muitas.”

Para as demais, recomenda auto-estima. “A mulher tem de se amar, e se amar muito, antes de tudo. E se tocar porque o auto-exame das mamas facilita a detecção precoce”, opina. “Sem deixar de fazer a mamografia todos os anos, depois dos 40. No meu caso, embora esse exame não tenha revelado o tumor, foi o ponto de partida para descobri-lo a tempo. Se eu não tivesse feito a mamografia naquele ano, talvez fosse tarde demais.”

Mutirão - Praia Grande participa do VIII Mutirão de Mamografia que a Secretaria de Estado da Saúde realizará no próximo dia 29 de novembro para estimular a detecção precoce do câncer de mama. A ação é direcionada a todas as mulheres com solicitação médica (da rede pública e particular) para esse exame, dentro de critérios estabelecidos. Completa as atividades da Semana Municipal de Saúde Mamária, de 3 a 7 de novembro, quando todas as unidades básicas de saúde orientaram o público feminino sobre auto-exame e diagnóstico precoce. O evento de conscientização teve a presença de representantes do Estrela da Mama.

O agendamento para a mamografia ocorre de 12 a 19 deste mês, podendo ser feito pelas próprias pacientes nos seguintes locais: Centro Integrado de Diagnóstico (Avenida São Paulo, 993, Guilhermina, telefones 3474.1542 e 3473.7839), Clínica Radiológica Moura Gogliano (Avenida Brasil, 600, sala 402, Boqueirão, telefone 3491.2431) e Clínica Cedial (Rua Sebastião de Oliveira, 47, Boqueirão, telefone 3474.6161). As vagas são limitadas (1.280, 350 e 800, respectivamente) e totalizam 2.430.

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