Lázaro Ramos defende diversidade brasileira

Em Praia Grande, o ator fala do novo longa e reivindica espaço para atores negros

Por Lorena Flosi | 27/2/2009

Walter é um anestesista cansado da rotina e em dúvida sobre as escolhas que fez para si. Aos trinta anos, se vê sobrecarregado pelo trabalho, e vivendo todas as expectativas e frustrações de um homem comum. Mas um acontecimento inesperado detona o gatilho para que ele enfrente uma jornada nada convencional. Walter é Lázaro Ramos na nova produção Amanhã Nunca Mais, que tem nas areias de Praia Grande, o palco onde se desenrolará as primeiras cenas dessa tragicomédia que evoca as agruras de um herói moderno, em busca da felicidade.

De passagem por Praia Grande, o ator conversou com o PG Notícias a respeito do novo trabalho, de sua visão sobre cinema e sobre o crescimento das produções nacionais. Confira:

PG Notícias - Você está filmando um longa após dois anos afastado das telas do cinema. Qual é a sensação de iniciar um novo projeto?
Lázaro - Voltar às minhas origens cinematográficas é muito legal. É o primeiro longa do Tadeu (Schimidt, diretor e roteirista), o que traz uma energia muito diferente. A energia, a empolgação com que o Tadeu vem trabalhar todo dia é muito legal. Ele trabalha de uma forma muito afetiva, sem estresse. Da minha parte, hoje vejo que sinto uma ansiedade menor. No início de minha carreira ficava muito ansioso e inseguro, por ser tímido.

PG – O que o público pode esperar de seu personagem na trama?
Lázaro - O Walter é um personagem de identificação muito fácil. Todo mundo já passou por isso ou tem alguém próximo que já viveu uma situação parecida, em que se indaga sobre que rumos sua vida está tomando, sobre a insatisfação com as escolhas que fez. É um personagem muito próximo a todos. Eu mesmo já passei por isso. No caso desse personagem, ele chega ao extremo, porque vai aguentando o peso que aquela vida equivocada coloca sobre ele, até chegar a um ponto em que é necessário tomar uma decisão.

PG – Você classificaria o filme como um drama então?
Lázaro - Acho que e uma tragicomédia. Embora a linha principal seja conflituosa, há muito humor. Os personagens que ele encontra pelo caminho são todos muito engraçados. É um grande desafio, porque eu tenho que segurar a onda. Enquanto todo mundo faz piada em torno, eu sou o sério, o compenetrado. Você encontra de repente Maria Luiza Mendonça, Luiz Miranda, que são atores com um tempo cômico maravilhoso. É um desafio não cair na tentação de fazer umas palhaçadas.

PG – O que o Lázaro Ramos tem de Walter?
Lázaro - O Walter não tem de Lázaro Ramos. Tem um pouco desses profissionais que trabalham em um cotidiano tão estressante quanto é o de um anestesista. Eu nem tinha noção de que era tão estressante. Passei alguns dias visitando hospitais para fazer um laboratório, e vi que às vezes eles fazem plantões de 24 horas por quatro dias seguidos. São profissionais que às vezes ganham 38 reais por cirurgia, trabalhando em hospitais públicos. O cara está com a responsabilidade de cuidar da sua vida, às vezes sem estrutura nenhuma para trabalhar. Ele está ali por gostar da profissão, faz com prazer dentro do possível de se trabalhar numa área de tanta responsabilidade.

PG – Você diria que Walter é um herói moderno?
Lázaro - Acho que é uma espécie de herói sim. Ao longo de sua trajetória ele vai superando uma série de obstáculos para atingir seu grande objetivo, que é a felicidade e o amor. Hoje em dia, com a vida estressante que levamos, podemos ter vários objetivos: o do dinheiro, de conseguir se realizar profissionalmente. Mas quando você consegue isso, falta alguma coisa. É atrás desse algo mais que ele vai.

PG – Você tem em seu currículo personagens muito diferentes. Um homossexual em Madame Satã, um malandro em Cobras e Lagartos, o Foguinho, que lhe valeu a indicação ao Emmy, um ativista político em Duas Caras. Qual a técnica para compor tanta diversidade?
Lázaro - Como não tenho uma formação clássica de teatro universitário, a cada trabalho preciso estudar. Teve um tempo em que eu ficava angustiado com isso, depois aprendi a aproveitar essa ausência de instrumentos. Já que eu não tenho conhecimento das técnicas, a cada personagem, reeduco meu olhar para aquele universo, e sinto um prazer enorme com esse processo. Claro que é estranho eu estar em um hospital assistindo a uma cirurgia, mas ao mesmo tempo eu tenho prazer pela oportunidade de conversar com aqueles profissionais, entender qual é o dia a dia deles, e de alguma maneira tentar decifrar qual é o sentimento daquelas pessoas. Isso de alguma maneira me dá uma alegria enorme e uma responsabilidade maior ainda de cumprir a história do personagem da melhor maneira possível.

PG – Recentemente vimos um filme de temática estrangeira ser o grande vencedor do Oscar, levando oito estatuetas, entre elas a de melhor filme. Acha que este é um sinal de abertura da Academia, que está priorizando mais a qualidade das produções?
Lázaro - Se fosse pela qualidade da produção, posso dizer que Gwyneth Paltrow não é melhor atriz que Fernanda Montenegro em nenhum lugar do mundo. Acho que mais uma vez foi por algum interesse comercial. É um prêmio de indústria. Talvez seja um sinal de que os Estados Unidos estão começando a enxergar que só será possível se reerguerem agrupando-se com outras nações e culturas. Talvez seja um sintoma cultural e mercadológico também. E não foi só o Quero Ser Milionário. A Kate Winslet é uma atriz inglesa, o Sean Penn está no cinema alternativo, e ambos foram premiados como melhores atores. Acho que é uma tentativa de mandar uma mensagem para o mundo de que eles estão tentando entender que é a diversidade que os salvará dessa crise que está aí. Grande prova é a eleição do Barack Obama, um presidente totalmente oposto ao Bush.

PG – Essa abertura pode privilegiar o cinema brasileiro?
Lázaro - Eu não tenho grandes expectativas nesse sentido. Acho que se formos compreendidos e queridos em nosso país já é um grande valor. Se conseguirmos nos fortalecer internamente, chegamos lá. Não me refiro apenas ao Oscar, mas à América Latina. A Argentina faz filmes incríveis que não chegam aqui, nossos filmes não chegam aos países vizinho. Acho que o fortalecimento interno é o primeiro passo.

PG – Falando em território nacional, as produções brasileiras vêm conseguindo um espaço cada vez maior. A que você credita esse crescimento?
Lázaro - Acho que em primeiro lugar ao público, que vem comparecendo, demonstrando interesse pelas histórias que os próprios brasileiros vêm contando. Também porque, querendo ou não, temos uma nova geração de produtores de cinema, que surgiu depois da dissolução da Embrafilme pelo Collor, que está fazendo questão de contar suas histórias. Temos hoje equipamentos melhores, áudio melhor nas salas de cinema. As pessoas falam pouco sobre isso, mas antigamente, o áudio das nossas salas eram preparados para produções em que você não precisava entender o que estava sendo dito, porque a maioria dos filmes era legendado.

PG – Acha que a tendência é que o cinema brasileiro cresça cada vez mais?
Lázaro - Eu sou muito esperançoso. Quando vejo uma produção como Se Eu Fosse Você 2, com uma linguagem mais popular e cinco milhões de espectadores, fico muito esperançoso. Isso faz com que as pessoas que tiveram acesso a essa produção se interessem cada vez mais pelo produto brasileiro, que é muito bom. Nem sempre temos aquela fórmula americana focada no entretenimento, que é usada à exaustão, mas acho que é exatamente essa a vantagem do nosso cinema: a surpresa, a apresentação de um novo universo.

PG – Você vê algum momento específico, que tenha determinado esse crescimento?
Lázaro - Acho que começa um pouco com Carlota Joaquina, quando a Carla Camuratti teve a sacação genial de focar a história não oficial. Percebo que o cinema nacional tem feito isso. Desde uma coisa mais popular como Se Eu Fosse Você dois, até Cidade de Deus, ou Madame Satã, são historias não oficiais. E o público se interessa por essa linguagem, porque tem um sabor novo, faz com que ele reflita sobre si mesmo.

PG – O lançamento recente de Verônica trouxe muitas críticas a respeitos das temáticas usadas pelos cineastas brasuileiros: violência urbana e criminalidade são temas muito recorrentes. Você concorda? Há um desgaste neste sentido?
Lázaro - Na minha crítica, acho que o problema é que quando um filme como Cidade de Deus, por exemplo, dá certo, vem outras produção que se repetem. É difícil fazer uma crítica isenta, porque ao mesmo tempo esses filmes tem público, o que significa que as pessoas se interessam pelo tema. Minha maior ressalva é a de que há que se ter mais pesquisa a respeito da linguagem que será usada para abordar estes temas, para que não haja tanta repetição. A maioria dos filmes pode ser sobre amor, mas cada cineasta encontra sua linguagem para contar aquela história. Talvez dentro desta temática que interessa ao público valesse a pena pesquisar outras linguagens.

PG – Você é uma exceção na mídia: um ator ngro proitagonizando uma série de produções, tanto de tv quanto de cinema. Por que há tão pouco espaço para atores negros no Brasil?
Lázaro - Acho que talvez falte a compreensão de que qualquer ator com qualquer característica é capaz de contar qualquer história. Na verdade o trabalho de um ator é representar os sentimentos humanos. E qualquer ser humano passa por qualquer sentimento. Ao mesmo tempo sinto também que o público tem dado um depoimento muito interessante. Quando produções com protagonismo negro como Da Cor do Pecado, Duas Caras, Cobras e Lagartos, Cidade dos Homens ou Ó Pai, Ó se transformam em produtos com audiência a cima da média, significa que o público se interessa, e é a partir desse interesse que eu acho que os produtores de cultura tem tendência de corresponder aos anseios do espectador.

PG – Infelizmente esse proesso se mostra meio lento.
Lázaro - É uma pena, porque acho que temos muita história pra contar quando nos apropriamos dessa diversidade brasileira. O tempo passa e tudo o que fica da cultura nacional é aquilo que é diverso. É a Semana de 22, que chegou com uma proposta diferente, é a música de Cartola, um samba com lirismo diferente. E a dramaturgia não se apropriar dessa diversidade é não enxergar o que está explicito. Os valores mais duráveis de nosso país são aquele ligados à diversidade. É tão explícito isso, e às vezes as pessoas não enxergam.