Consultório na Rua amplia acesso aos serviços de saúde

Profissionais realizam atendimentos com moradores de rua

Por Pedro Sbravatti | 11/12/2015

O carinho, a dedicação e o acolhimento que os profissionais do Consultório na Rua transmitem a cada atendimento realizado é um comportamento marcante e que emociona a todos. Os moradores de rua atendidos chamam de ‘anjos’ esses servidores da Secretaria de Saúde Pública (Sesap) de Praia Grande. O sorriso sincero no rosto, as palavras de agradecimento e até, em determinados momentos, as lágrimas, são a prova de que os serviços prestados de forma tão especial refletem em uma considerável melhora no dia a dia dessas já tão fragilizadas pessoas. Em sua grande maioria são usuários de drogas e álcool que vivem em condições consideradas de extrema vulnerabilidade social. A atuação deste projeto é determinante na busca pelo oferecimento da possibilidade e geração de expectativas de um futuro longe deste cotidiano de sofrimento e desilusões.

Além de ampliar o acesso aos serviços de saúde da população de rua e usuários de drogas, uma das principais funções do Consultório na Rua é gerar um vínculo com essas pessoas para poder inserí-las em algum tipo de ação que a Prefeitura realiza, independente da área, como habitação, cidadania e saúde.

A Sesap já vem desenvolvendo este trabalho há um ano e meio. São três locais principais de atuação no Município: Área de Transbordo, no Bairro Guaramar, espaço conhecido como Calipal, no Antártica e Praça Roberto Andraus, Ocian. Recentemente, a Cidade passou a contar com um moderno veículo, específico para o serviço, que conta com uma sala sigilosa, comporta materiais de atendimento separados em gavetas e armários, além de uma geladeira para disponibilização de vacinas e exames. A equipe possui assistente social, psicóloga, terapeuta ocupacional, enfermeira e duas auxiliares de enfermagem.

Esses profissionais da saúde convivem e conhecem histórias de vida impressionantes a cada dia. São muitos os casos de pessoas que tinham de tudo, estrutura familiar, bons empregos e de uma hora para outra viram o mundo de ponta cabeça ao se transformarem em dependentes químicos. Uma característica comum entre eles é o afastamento dos membros de suas famílias. Sem o convívio social, morar nas ruas é apenas o segundo passo ladeira abaixo neste processo.

Este é o caso de Elizabeth Wehinger. Na quinta-feira (10), no Calipal, ela foi atendida pela equipe do Consultório na Rua. Conversou com um assistente social e recebeu curativo na mão esquerda por conta de um corte com caco de vidro. Ao agradecer o carinho e a atuação da enfermeira Talita Santos, não conteve as lágrimas. “O que eu passo falar é que seria horrível se o Consultório na Rua não cuidasse da gente. Vocês estão sendo atenciosos, carinhosos, abrindo uma visão. Basta a gente acreditar”.

Elizabeth mora na rua há cinco anos, mas não tem um lugar fixo por achar perigoso demais. Esta foi a segunda vez que recebeu atendimento do Consultório na Rua. O vínculo que está sendo criado com os profissionais fez com que se abrisse. Usuária de drogas, contou que sua família se afastou. Desde então nunca mais viu suas duas filhas. A saudade é uma ferida aberta com dores profundas diárias. “Tinha um carrinho de churrasco. Admito, por uma atitude errada que tive fui presa. Minha família nunca me perdoou por causa disso e virou as costas. Infelizmente, me aprofundei mais nas drogas. Mas eles não têm culpa. Tentaram me ajudar depois e fiquei com raiva. Já estava nas drogas e não aceitei ajuda”.

Ainda chorando e ao lado de sua cachorrinha, Princesa, após ouvir atentamente os profissionais da Saúde, Elizabeth passou a vislumbrar um futuro diferente. “O que vocês fazem é uma coisa espetacular. As enfermeiras são muito carinhosas. Às vezes eu durmo e não sei se eu vou acordar. A maldade no mundo está grande. Agora, penso em fazer um tratamento. Isso ajuda a pensar no futuro. Tenho certeza que isso tudo pode mudar”.

Também no Calipal, outro personagem com enredo parecido chama atenção. Levi Furquim de Almeida já foi até proprietário de uma borracharia na Região do Trevo. Atualmente, vive em algo que pode ser considerado como um barraco. Após decepções pessoais e profissionais, o álcool e as drogas o afastaram do convívio social.

“Tenho várias profissões, borracheiro, funileiro e pedreiro. Faço pintura também. Fui viajar e quando voltei, tive um desfalque na borracharia que era dono. Não consegui reverter a situação. Isso faz quinze anos. Tentei fazer outras coisas como trabalhar em obras. Estou no Calipal há quatro anos. Não conseguia pagar mais o aluguel e as contas e acabei caindo nessa vida”.
Com alguns poucos familiares apenas no Paraná, Furquim não parou de elogiar o atendimento prestado pelos integrantes do Consultório na Rua. “Agradeço demais. São anjos de Deus que nos ajudam nos momentos mais difíceis. A maior parte desses usuários não tem família e nem documento. É um ser humano que precisa de ajuda e essas pessoas fazem isso. Tratam todos com muito respeito”.

O assistente social do projeto, José Carlos Varella Júnior, explicou que uma das estratégias adotadas para este tipo de caso é o restabelecimento do vínculo familiar. Para isso, o projeto conta com o apoio dos Centros de Referência em Atendimento Social (CRAS) e o Centro de Referência em Assistência Social (CREAS). “O Consultório na Rua veio motivar a atuação em rede na Prefeitura, um serviço estimulando o outro para criar essa teia virtuosa de cuidados. O trabalho é vir onde essas pessoas estão e dizer que elas têm direito de ser atendidas, principalmente na Atenção Básica de Saúde. Eles têm esse direito e nós a obrigação da prestação desse serviço”.

Varella afirmou ainda que os serviços prestados pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) em Praia Grande são determinantes para recuperação dessas pessoas. “Este é um atendimento dentro uma visão da reforma da Saúde Mental. Não adianta alienar e tirar a pessoa da sociedade. O Caps tem como princípio tratar a pessoa onde ela vive, redefinindo seus valores e trabalhando os vínculos familiares. Transformar o valor da culpa pela dependência facilita o tratamento e a possibilidade de recuperação é maior’.

O assistente social citou ainda dois casos de sucesso que funcionam como fator motivacional para que os profissionais sigam com toda energia em busca de vitórias nas árduas batalhas do cotidiano. “Este é um trabalho mais qualitativo do que quantitativo. A Prefeitura conta com duas estruturas que colaboram para a retirada dessas pessoas das ruas, a Casa de Estar e o Centro de Atendimento Especializado da Assistência em População em Situação de Rua. Tivemos um caso de um senhor que usava abusivamente drogas e depois do nosso contato diminuiu e quis ir para a Casa de Estar. Agora está se preparando para alugar um imóvel para recomeçar a vida. Outro caso é de um rapaz que conseguiu tratar uma tuberculose após iniciar o atendimento no Consultório na Rua”.

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